Com salários três vezes maiores que a média nacional e uma demanda por 570 mil novos talentos em 2025, o setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) vive um momento de crescimento exponencial no Brasil. Ao mesmo tempo, as empresas enfrentam dificuldades para contratar mão de obra qualificada e, principalmente, reter esses talentos. O País não forma profissionais em quantidade suficiente para atender a demanda, mas o problema vai além, passa por uma mudança de cultura nas novas gerações que chegam ao mercado de trabalho.
Londrina concentra cerca de 2,2 mil empresas de TIC, segundo levantamento do Sebrae/PR. Juntas, elas geram aproximadamente 36 mil empregos diretos. O setor é responsável por 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do município. Referência no Brasil como um polo de inovação e tecnologia, Londrina concentra 13 instituições de ensino superior que ofertam 55 graduações na área. A vocação para a formação de talentos para o setor tem atraído a atenção de grandes empresas, inclusive multinacionais para a cidade, que projetam a geração de milhares de vagas na área.
A velocidade com que a tecnologia avança dificulta a atualização dos cursos de graduação, resultando em uma defasagem entre as habilidades requeridas pelas empresas e as competências adquiridas pelos profissionais durante a formação acadêmica. Mas, o segmento tem enfrentado desafios que ultrapassam a dificuldade na contratação de profissionais qualificados e passam pela retenção de talentos. De acordo com empresários e especialistas do setor, a explicação para a “dança das cadeiras” não se resume apenas ao fato de o mercado ter uma alta oferta de vagas abertas e bons salários..
A presidente do Arranjo Produtivo Local de Tecnologia de Informação e Comunicação de Londrina (APL de TIC), Ana Paula Murakawa, diz que o setor deve enfrentar um “apagão” de profissionais em todo o mundo, porque o crescimento do mercado é muito mais acelerado do que a formação de pessoas. No Brasil, a área também sofre com problemas mais estruturais e de difícil solução, como a cultura de formar os estudantes para o vestibular e não para o mercado. Ao mesmo tempo, ela observa que as novas gerações têm buscado outros tipos de formação profissional em vez da graduação e têm chegado ao mercado de trabalho mais tarde.
“Os jovens não são preparados para o contexto do mercado e, quando são cobrados por esforço, metas e disciplina, não se predispõem. São inteligentes e rápidos, mas não aguentam frustração e pressão. Como há oferta grande na área de tecnologia, ele salta. É ruim para as empresas e também para o profissional, que não consegue avançar na curva de aprendizagem, já que cada emprego é um novo ciclo”, argumenta Ana Paula.
A alta rotatividade impacta na produtividade do setor. Ela explica que o profissional que se coloca no mercado como sênior ou pleno – com experiência de mais de seis anos, capacidade para executar tarefas mais complexas e ter mais autonomia dentro das empresas -, geralmente, não tem maturidade e competência suficientes para atuar em posições nesses níveis, já que veio saltando de emprego em emprego ao longo da carreira. Para Ana Paula, o problema da dificuldade de reter talentos não está na formação superior, mas no sistema de educação como um todo.
“Conectar as formações em todos os níveis com o contexto de demanda de mercado é fundamental. A escola precisa conversar com o mundo real”, enfatiza.
Criada há dois anos, em Londrina, pelo empresário Thiago Zampieri, a Corelab emprega 42 colaboradores, a maioria desenvolvedores de software. Ele percebeu que muitos empreendedores que buscavam recrutar desenvolvedores para criar seu negócio digital se deparavam com a acirrada competitividade do mercado de tecnologia. Desta dificuldade, nasceu o modelo de negócio da empresa londrinense, que oferece aos clientes a expertise em desenvolvimento de software e parceria tecnológica para acelerar o crescimento de pequenos negócios.
Para driblar os desafios na contratação e retenção de mão de obra, o empresário adota estratégias que têm gerado bons resultados.
“Das 42 pessoas do nosso quadro, substituímos seis ou sete em dois anos. Para a área de tecnologia, é um turnover muito baixo”, afirma Zampieri.
Do inglês, turnover é o nome dado ao fluxo de entrada e saída de colaboradores em uma empresa ao longo de um ano. A taxa de rotatividade é uma das que mais impactam na produtividade, clima organizacional e na saúde financeira das companhias. Por isso, a estratégia de Zampieri começa logo na contratação. É ele quem faz a primeira entrevista do candidato, ao contrário da maioria dos processos seletivos. O objetivo é analisar se a pessoa tem boa índole, gana para trabalhar e interesse para se desenvolver.
Segundo Zampieri, a maior parte dos seus colaboradores veio de transição de carreira, inclusive o primeiro funcionário contratado, formado em veterinária, que hoje é responsável pelo setor de produtos. O ponto positivo é a vivência de mercado, na visão do empresário. Ele acrescenta que outras características da cultura da sua empresa favorecem a retenção dos profissionais, como a transparência nos salários e faturamento; empatia e tempo para conversar e conhecer os funcionários; investimento no desenvolvimento das pessoas; autonomia para o trabalho; rotação entre os projetos.
“O mercado da tecnologia vive um impasse que está muito ligado ao desalinhamento entre as expectativas das empresas e as dos profissionais”, opina.
Mais que habilidades técnicas sólidas, características como a capacidade de resolver problemas complexos, adaptação rápida às mudanças e características interpessoais são valorizadas pelos empregadores, segundo Simone Cipriano, head de Pessoas & Cultura na Runtalent, empresa especializada na alocação de profissionais de TI. Ela confirma que, dentro do perfil de quem busca uma vaga na área de tecnologia estão jovens, com graduação ou especialização na área, e também profissionais mais experientes, em transição de carreira.
Ela afirma que a alta rotatividade entre profissionais de tecnologia está fortemente ligada à necessidade de as empresas repensarem estratégias de retenção de talentos.
“Hoje, não basta oferecer salários competitivos. Os profissionais buscam muito mais. Eles estão atrás de um pacote completo que inclua oportunidades claras de desenvolvimento de carreira, um ambiente que promova bem-estar físico e mental, e um forte senso de pertencimento”, cita.
A especialista acrescenta que a conexão entre o propósito pessoal do profissional e os valores da empresa tem se mostrado fundamental. Simone diz que, quando essa conexão não é clara ou ausente, os talentos tendem a procurar outras oportunidades que melhor se alinhem com suas aspirações.
“Ambientes inclusivos e colaborativos também são essenciais, pois promovem a inovação e a satisfação no trabalho. Em resumo, a rotatividade é um reflexo de como as empresas estão se adaptando ou não a essas novas expectativas dos profissionais de tecnologia”, analisa.
De acordo com Simone, a escassez global de mão de obra qualificada e a alta demanda do mercado criaram um ambiente em que os profissionais de tecnologia têm um poder de escolha significativo. A competição por talentos torna a retenção ainda mais complexa, já que os profissionais estão constantemente avaliando ofertas que melhor atendam suas expectativas e objetivos de carreira. Além disso, o apelo de trabalhar para empresas de fora do país, que muitas vezes oferecem pacotes mais atraentes e a possibilidade de trabalho remoto, torna ainda mais difícil para os negócios locais manterem seus colaboradores.