Quase acabou 2024 e o que não vai faltar nas próximas semanas, entre um Papai Noel e outro, são retrospectivas brotando no seu e-mail, no Whatsapp, no seu aplicativo de fotos, no Spotify, no Slack, chatgpt, homebroker, app do banco, bets, reddit, detran, circular do condomínio, jornalzinho da igreja, discurso do CEO na festa. E Na TV.
Pode procurar. Em qualquer um desses, em algum momento, você terá a opção de lembrar do que estava quase conseguindo esquecer (agradeça ao Spotify por rememorar a música que você passou o carnaval todo ouvindo ou ao Google Fotos de te mostrar o que você fez no verão passado).
Numa visão mais positiva, retrospectivas nos ajudam a despedir do ano dando a ele uma espécie de rótulo, como se quase tudo que tivesse acontecido dentro de um tema estivesse conectado a um ponto em comum.
Em 2020 e 2021, era inevitável olhar para o ano e não conectar a pandemia de Covid-19. Em 2022, tudo era metaverso. Em 2023, inteligência artificial.
Covid, metaverso, IA: eles foram centrais nas retrospectivas no âmbito de comportamento social, de inovações e do mundo corporativo. Para 2024, há algumas tendências do buzz ser em torno do conceito de “excesso da vida virtual”.
A “Brain Rot”, palavra do ano escolhida pela Oxford, faz alusão a como nossos cérebros estão apodrecendo com o excesso e a superficialidade do que consumimos por telas. Natural.
Depois de dois anos de lockdown sucedidos por mais dois com explosão de novidades que mal tivemos tempo de acompanhar, nos demos o direito de cansar e de querer uma relação mais simpática com as telas: temas profundos e conhecimento verdadeiro, sem espaço mais para excessos e evitando (ou reduzindo) o apodrecimento dos nossos cérebros.
E tal qual a tríade dos temas-chave dos últimos anos, esses “excessos” não se limitam a nós, mortais. No âmbito corporativo, as retrospectivas provavelmente refletirão o quanto de assuntos desnecessários tem consumido o cotidiano das empresas.
O mais icônico exemplo: 2024 ficou marcado pelos excessos de opiniões (ou palpites) nada convencionais de CEOs, abusando de seus livres arbítrios em redes sociais.
Resultado: ao invés de abrir o Twitter ou LinkedIn e deparar com insights, temos que “desapodrecer” nosso cérebro com teses que rebatem absurdos vindos de quem menos esperávamos.
Só aqui no BR alguns CEOs conhecidos nos presentearam durante o ano com os melhores excessos que a Internet pode produzir: misoginia, xenofobia, fake news, apoio a terraplanista e por aí vai. E olhe que o Twitter até mudou de nome e tirou férias do Brasil para nos ajudar. Mas não deu muito certo, não.
O excesso nos principais casos brasileiros não está apenas no fato de que executivos manifestaram suas (controversas) opiniões pessoais em suas redes particulares. Tem um encadeamento de ações que foram necessárias para que o efeito dessas opiniões publicadas fosse… zero.
É como alguém dirigir numa estrada isolada, errar o caminho e perceber o erro 50Km depois. A única opção é retornar. E 100Km, quase 2 horas e muito consumo de combustível depois, ele estará no mesmo lugar.
Pra ficar mais claro, imagine (exemplo fictício) o CEO de um banco que, num ataque de genialidade, publica em seu LinkedIn que o uso do cartão de crédito financia expedições de extraterrestres e que endividados terão que ceder parte de suas casas para nossos vizinhos alienígenas.
Pronto, na semana seguinte toda a equipe de marketing, agênicas, RP, redes sociais, conselho, investidores, staff do CEO, além dele próprio param tudo o que estão fazendo para minimizar os impactos do ataque de genialidade do executivo.
Em outras palavras, a empresa é obrigada a dirigir os tais 50Km de volta para corrigir a rota errada e chegar ao mesmo lugar. Não há CEO que queira isso. E Deus-me-livre-de-um-CEO-que-quer.
O problema fica maior quando saímos do universo dos super-CEOs e suas grandes corporações e vamos para quem está buscando o lugar ao sol.
Bastam 2 horas de LinkedIn em páginas pessoais de CEOs e Founders de Startups – muitas de primeira fase ainda, inclusive – para ver um show de exposições pouco fundamentadas sobre temas caros à sociedade, como mudanças climáticas, guerras e democracia.
E diferente das grandes corporações, que reduziram os danos das publicações de seus executivos mobilizando um exército inteiro, empresas iniciantes dificilmente terão recursos e ferramentas suficientes para voltar os tais 50km em tão pouco tempo.
A exposição em redes sociais de founders e CEOs de startups pode ser ferramenta de sucesso ou fracasso de seus negócios.
No artigo “Signaling Theory in Entrepreneurship Research” publicado pela Entrepeneuership Theory and Practice, Julian Bafera e Simon Kleinert retomam um conceito de quase 40 anos na administração: investidores não têm total visibilidade da qualidade dos produtos em pesquisa ou desenvolvimento das startups, o que amplia o risco do investimento (esse conceito é chamado de assimetria informacional).
Para minimizar os riscos dessa assimetria, empresas e empreendedores emitem o que chamam de sinais positivos, que podem ser diversos e o comportamento em redes sociais é um deles.
Ou seja, num caso extremo, o xingar-muito-no-twitter pode matar uma ideia genial.
Por isso é urgente que startups expandam seus programas de governança para contemplar temas mais espinhosos do que participações societárias, hierarquias ou programas de Stock Options; e alcancem esses excessos comprometedores dos quais falamos aqui, fomentando relações positivas entre executivos, redes e reputação empresarial.
Para que CEOs, que muitas vezes são founders com projetos relevantes para sociedade, subam no palco (usem suas redes) com esse fim.
O resto é excesso. E está apodrecendo o cérebro de todo mundo.
P.S: Essa é a minha primeira coluna no Economia PR. Por isso, um obrigado especial a Letícia Lichacovski pelo convite. Por aqui, falaremos de governança em Startups e, por isso, te convido a conversar sobre essa tema, nem sempre tão divertido, mas de maneira leve (e sem excessos).
Boas festas e até 2025.