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A Era dos leadtimes, o abandono do desenho organizacional e os desperdícios

60 dias para contratar economiapr
Foto: Fonte gerada por IA

 A história a seguir é verdadeira e não-inédita. 

Empresa paranaense que fatura seus anuais R$ 50 MM e margem de 10% decide contratar um gerente de operações.

Após aprovações internas, a empresa, coerente às práticas da moda, entra no rito: chama um headhunter, faz as duas reuniões de alinhamento, paga Linkedin, paga portal moderno de vagas, passa horas avaliando as centenas de candidatos que IA da plataforma sugeriu, passa na frente os bem indicados. Headhunter entrevista uma dúzia, aprova metade.

Três ou quatro finalistas permanecem no processo, conhecem a empresa, reunião remota, reunião presencial, a cerimônia de sempre. A empresa decide por um. Proposta vai, proposta vem, acerta aqui e ali.

Uns sessenta dias depois da primeira reunião, o gerente novo começa semana que vem. Conselho é comunicado, fumaça branca sai pela janela. Na verdade, não sai. “E se aproveitamos esse momento para arrumar a casa e redesenhar o organograma?”.  

E com essa pergunta perspicaz, a semana que vem do gerente novo nunca chegou. 

O que vem a seguir não é uma ode à humanidade nos processos de recrutamento. Eu já fui esse novo gerente que nunca estreou, mais de uma vez. Mas já fui o gestor da vaga em outro momento.

E fui o palpiteiro estragador de festa de algum desconhecido (talvez desempregado e com as pressões  psicossociais e financeiras que isso acarreta). Esse jogo é cruel, mudar isso é quase utopia e escrever sobre é tomar seu tempo. 

Minha ideia aqui é te convidar a refletir sobre como a história do demitido mais rápido do Brasil é efeito (ou parte da causa) de exercícios mal resolvidos de governança das empresas. 

Primeiro é que existe um mimetismo exacerbado que, de tão intenso, ignora o desperdício que uma contratação não feita gerou.  Peço sua ajuda nas contas, mas vamos lá:

1) duas horas de reunião interna com três diretores para decidir pela contratação do profissional;

2) umas oito horas (leia-se um dia inteiro) do diretor responsável para entrevistar a meia dúzia de candidatos;

3)  Umas quatro horas (metade de um dia) de dois ou três diretores que montam um comitê para sabatinar cada um dos quatro finalistas;

4) Duas horas de reunião com o conselho (três diretores e dois não- executivos) para decidir pela suspensão da contratação.

Fazendo contas simples e suprimindo do cálculo o trabalho de áreas de apoio (reserva de reuniões, elaboração de propostas e do contrato etc ), o que temos aqui são 32 horas do alto escalão da empresa dedicadas à contratação de um profissional que nunca ocorreu.  

Para a conta do desperdício ficar um pouco mais clara: considerando uma estimativa razoável de R$ 50 mil mensais de remuneração de cada diretor,  (~R$ 300 por hora, considerando 160 horas/mês de trabalho), dá para alocar gerencialmente quase R$ 10 mil (300 X 32 horas) dos gastos da empresa como desperdício pela contratação infrutífera.

Mais. O success fee do headhunter (1 salário médio do gerente fantasma, ~R$20mil), os custos das incríveis plataformas de banco de dados (~R$10mil).  Quase R$ 40 mil de desperdício (leia-se 2X o salário do não-contratado e algo próximo a 10% da margem mensal da empresa). 

Nos anos 90 e 2000, áreas de RH se tornaram o coração da empresa.

Surgiram motes como “funcionário motivado faz a empresa lucrar”; conceitos como “learning organization” e “empowerment”  ganharam vida; escolas de administração dedicavam sem culpa metade de suas grades com temas como liderança, cultura organizacional e subsistemas de RH.

Comum era que diretores de RH fossem o número 2 da estrutura e carregassem não só o zelo pelo time, como também os programas de performance, metas e sustentabilidade. 

Duas décadas, uma geração e  uma reforma trabalhista depois, RH tem outras agendas. O choque de realidade óbvio – funcionário motivado e lucro não tem relação tão direta assim – associado aos novos modismos de objetivos não-financeiros preferidos do empresariado (ESG, por exemplo), transformaram o RH estratégico em RH, people ou qualquer nomenclatura minimalista que regem o RH contemporâneo: leadtimes e plataformas de people analytics como ferramentas de eficiência para contratar, remunerar e desligar no lugar de refúgios lúdicos paz-e-amor em estruturas grandiosas. 

Buscar processos eficientes em detrimentos de distrações dissociadas dos objetivos da empresa é louvável, mas a falta de cuidado nesse bota-fora pode ter colocado no lixo artefatos importantes para as empresas. E o pior: alguém vai revirar esse lixo e encontrar a peça sem dono e em bom estado de uso.

E a peça descartada pelo RH é o desenho organizacional (e seus acrônimos e traduções). O DO traz esse olhar para as capacidades internas e análises de performance. 

Reflexões como descentralização, ociosidades, competências incrementais, remunerações variáveis, integrações, automatizações etc, são pautas dessa atribuição – antes encontradas em uma das dezenas atribuições de enormes diretorias de RH  e hoje quase descartada junto com as salas de descompressão e as integrações de uma semana. 

O bom estado de uso do desenho organizacional fez com o que o artefato ganhasse novos donos que talvez não pilotem tão bem quanto os RHs faziam.  Seja porque os novos donos não estão no cotidiano, seja porque estão demais no cotidiano.

O resultado disso: contratações estão mais rápidas. Inclusive as erradas. Consequentemente, demissões e desperdícios também.

O caso do nosso amigo gerente agora open to work é um clássico e não raro exemplo de como esse abandono à capacidade de analisar pode ser trágica para a própria empresa.

Quando conselheiros, acionistas ou investidores questionam, com razão,  se a composição do time está adequada, gestores deram um claro sinal que abandonaram a capacidade de analisar e, diante do silêncio em nome do juízo, jogaram no lixo os 60 dias de recrutamento do novo integrante.

Empresas pequenas precisam se livrar das distrações. Só não podem chamar de distrações suas capacidades internas de pensar. E pior: deixar que sejam feitas por quem pouco entende as consequências dos desperdícios. 

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Executivo de finanças, doutorando em Administração pela ESPM, e sócio-fundador da mecê. Escreve mensalmente no Economia PR sobre governança corporativa e desafios estratégicos em startups.

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Eduardo Gondim Brain Rot Economia PR

Brain rot coporativo, redes sociais e a governança das opiniões desgovernadas