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Os quatro Brasis e o desafio da transformação digital

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Foto: Brasil com S

Eu moro no Brasil. E você, que está lendo este texto, provavelmente também. Mas, em qual deles?Segundo o Relatório de Transformação Digital na América Latina 2024, da Atlântico, o Brasil é um país hiperconectado, com 91% da população conectada à internet.

Porém, dentro deste universo, existe uma estratificação social (e digital) importante. E estes dados são primordiais para o entendimento do mercado, do consumo e das transformações digitais necessárias no país.

report divide o Brasil em quatro grupos socioeconômicos, com base em renda, acesso a serviços, localização geográfica e consumo digital. O primeiro grupo, denominado “Elite Brasil”, corresponde a 3% da população – aproximadamente 7 milhões de pessoas.

Este grupo é 100% conectado, com acesso total à internet e a serviços bancários. A maior parte dessa população se concentra no Sudeste e Sul do País. Uma característica importante desse segmento da população é que são pessoas com acesso a educação privada, saúde privada e investimentos.

Além disso, a Elite possui alto poder de consumo, respondendo por 36% do potencial de consumo do país.Já a segunda faixa, o “Brasil Seguro”, corresponde a 22% da população, ou seja, 48 milhões de brasileiros. Este grupo também tem acesso pleno à internet e serviços bancários e à educação formal.

Um fator importante dessa massa é que 73% dos “novos digitalizados” pertencem a este grupo. Na definição do Relatório, os “novos digitalizados” são pessoas que recentemente passaram a ter acesso regular à internet e começaram a usar as ferramentas digitais de forma mais ativa (como redes sociais, apps financeiros, e-commerce e serviços públicos digitais).

Esse grupo acessa a internet majoritariamente pelo celular, e boa parte entrou no mundo digital durante ou após a pandemia, e muitas vezes por necessidade – como, por exemplo, para receber o auxílio emergencial ou para fazer vendas informais pelo WhatsApp ou Instagram.

Um dado relevante, ainda, sobre as pessoas pertencentes ao Brasil Seguro é que 80% possuem algum tipo de endividamento.A próxima faixa é a que engloba a maioria da população brasileira, o “Brasil Estável”, que contempla 109 milhões de brasileiros (50% da população).

Este grupo ainda tem o acesso digital limitado, mas em crescimento. Em geral, usam smartphones como principal ponto de conexão, com planos pré-pagos ou redes Wi-Fi compartilhadas. Este grupo usa principalmente plataformas de mensagens (como WhatsApp) e redes sociais.

Em termos de serviços financeiros, o Brasil Estável ainda está em processo de migração para soluções digitais. Por fim, na base da pirâmide, aparece o grupo denominado “Brasil em Luta”, que representa 25% da população – 54 milhões de brasileiros.

Essas pessoas ainda têm baixo acesso à internet (cerca de 61%) e à bancarização (68%). Neste grupo, concentram-se as pessoas mais vulneráveis economicamente, fortemente dependentes de programas sociais. Os dados mostram que 80% da renda dessas pessoas é destinada ao consumo essencial.

A grande maioria dessa população vive nas regiões Norte e Nordeste do país.Só por este estudo já é possível inferir que essas profundas desigualdades representam, ao mesmo tempo, um oceano de oportunidades, mas também de desafios.

Se, por um lado, somos um dos países com maior adesão ao e-commerce da América Latina, por outro, falta educação de qualidade para que a população utilize as ferramentas tecnológicas com segurança e produtividade.

Outro estudo nos permite complementar essa análise: o “Índice de Alfabetização em Riscos Cibernéticos“, realizado pela Oliver Wyman em 2021. Neste relatório, o Brasil aparece em 42º lugar, das 50 geografias avaliadas.

O índice analisou 42 indicadores, agrupados em nove pilares, organizados sob cinco grandes fatores: motivação pública; políticas governamentais; sistema educacional; mercado de trabalho; e inclusão populacional.

Uma das conclusões do estudo que mais me chamou a atenção – e que, de certa forma, confirma o que eu já observava empiricamente -, é que populações vulneráveis, como idosos e minorias linguísticas, estão sendo ignoradas pelas iniciativas de alfabetização digital.

Tanto que a pior nota do Brasil foi justamente no pilar de políticas públicas e inclusão, em que o país ficou no vergonhoso 49º lugar. Isso faz com que a conectividade brasileira esteja ainda muito aquém do seu potencial.

O brasileiro é viciado em internet, mas dizer isso é muito diferente de afirmar que é um povo essencialmente tecnológico. O Brasil é o terceiro maior consumidor de redes sociais no mundo. Mas nem sempre esse uso é responsável.

O estudo mostra, por exemplo, que a maioria das pessoas prioriza a conveniência em detrimento da segurança online. Esse tipo de negligência abre brechas para os mais diversos perigos, desde fraudes e golpes até a desinformação e as fake news.

Ou seja, a digitalização chega às pessoas, mas o senso crítico e o preparo para um mundo digital, não necessariamente.Por isso, é urgente que poder público e iniciativa privada se atentem à educação para o uso da tecnologia.

Mas, para que surta efeitos, essa educação tem que começar pela base, desde a educação infantil, e se incorporar a toda a vida escolar e acadêmica. Além disso, é necessário que programas de educação tecnológica sejam implementados com foco em outros segmentos da sociedade – especialmente aqueles mais vulneráveis citados anteriormente.

Nesse balaio, cabem governos federal, estaduais e municipais, ONGs, empresas – através de programas de ESG – e até mesmo voluntários. Outro ponto relevante que merece destaque é a escassez de profissionais qualificados na área de tecnologia e inovação.

A demanda por esses profissionais, no Brasil, entre 2019 e 2024 foi de mais de 665 mil, mas o número de formados no período ficou em quase 465 mil – o que deixa um déficit de 200 mil profissionais.

Especialmente num momento em que vivemos uma nova “revolução tecnológica”, para os próximos anos serão ainda mais requisitados profissionais com competências em Inteligência Artificial, Big Data, Redes e Cibersegurança.

Todos esses dados nos levam a uma reflexão importante: precisamos olhar para a tecnologia com mais seriedade. Estudar mais. Ensinar mais. Usar a tecnologia para resolver problemas, mas não encará-la como a bala de prata, como a solução milagrosa que transformará o mundo da noite para o dia.

Para pensar em tecnologia, temos que nos lembrar que nas pontas estão sempre as pessoas. Como e para que as pessoas irão usar os canais digitais? Como implementar essa transição de maneira equitativa e inclusiva?

Como usar a tecnologia para otimizar a produtividade, e não para sucatear ainda mais o mercado de trabalho? Como inserir automação, inteligência artificial, digitalização, sem desconsiderar os direitos e as necessidades humanas? Como vocês podem ver, eu não tenho as respostas. Tenho, sim, muitas perguntas.

Mas, acredito que, se a gente partir das perguntas certas, há grandes chances de encontrarmos o caminho. Enquanto não podemos mudar o mundo, podemos fazer pequenas mudanças no nosso entorno.

Como cidadãos, podemos, todos, cobrar do poder público a implementação de políticas mais eficientes para diminuir as desigualdades sociais e digitais. E como empresários?

É possível, por exemplo, criar ou apadrinhar programas de educação tecnológica, oferecer capacitação para colaboradores e seus familiares sobre o uso das novas tecnologias, patrocinar ou criar eventos e workshops com foco em inovação, entre outras.

E aí, bora unificar esses quatro Brasis e transformar toda essa conectividade em superpotência tecnológica?

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Jornalista, especialista em mídias digitais e consultora em comunicação digital e experiência do cliente.

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