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O que R$ 1 mi em editais recém liberados revelam sobre a cultura de Curitiba

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Foto: wildpixel de Getty Images/Canva

Para ouvir depois de ler: Karina Buhr – Ciranda do Incentivo

No fim de maio, a Fundação Cultural de Curitiba anunciou dois novos editais com recursos remanescentes da Lei Paulo Gustavo, totalizando R$ 1,1 milhão destinados a 40 projetos culturais. A iniciativa confirma a imagem que a cidade tem cultivado: a de um polo cultural ativo, com boa articulação para captar e distribuir verbas federais. 

Mas, passado o primeiro momento de otimismo, a pergunta que fica é: até que ponto esse tipo de ação representa uma política cultural consistente — e não apenas uma resposta pontual a um setor historicamente subfinanciado e silenciado?

Não é novidade que a cultura ocupa um lugar periférico nos orçamentos públicos. Esse cenário se agravou nos últimos anos, especialmente após o processo de desmonte institucional e a narrativa de desvalorização cultural promovida durante o governo Bolsonaro.

Passado esse período, o que se vê é um esforço de reconstrução difícil, demorado e preguiçoso – por parte dos entes públicos. Quando há investimentos, costumam estar vinculados a medidas emergenciais ou incentivos pontuais, e não a uma política contínua, estruturada e pensada em conjunto com os agentes culturais.

Nos casos dos editais recém-lançados, percebe-se a preocupação com a acessibilidade. Há cotas específicas para indígenas, quilombolas, pessoas trans, PCDs, entre outras minorias, bem como a garantia de que parte dos investimentos sejam destinados a bairros como Boqueirão, CIC, Portão e Fazendinha, em uma tentativa, ainda que tímida, de descentralizar a produção e o consumo cultural para os centros urbanos e sociais.

Embora a distribuição do dinheiro pareça equilibrada, é preciso perguntar a quem faz cultura na cidade: editais como esses atendem, realmente, a todas essas realidades?

A resposta não é simples.

A impressão de muitos empreendedores culturais é a de que não existe política estruturante, apenas alívios pontuais. O contexto revela a dependência por um gesto emergencial salvador que geralmente fica nas mãos das mesmas pessoas ou grupos.

É o caso, por exemplo, de leis federais como Paulo Gustavo e Aldir Blanc. Um trabalho incrível de jornalismo investigativo assinada por Rodrigo Juste Duarte para o Le Monde Diplomatique confirma que Curitiba concentrou 77,4% dos proponentes da Lei Aldir Blanc, apesar de representar apenas cerca de 31% da população estadual. 

Além disso, quase 80% dos recursos distribuídos no estado entre 2014 e 2020 por diferentes mecanismos foram destinados à capital e outras duas grandes cidades — Londrina e Maringá. O relatório confirma a concentração regional dos investimentos culturais e a exclusão das regiões de menor renda e IDH, revelando uma política que, na prática, reforça desigualdades históricas. 

Por que isso acontece?

Entre os principais obstáculos está a burocratização de todo o processo: por se tratar de dinheiro público, que deve ser protegido de qualquer tipo de fraude ou desvios, as inscrições são cheias de detalhes intermináveis e cansativos que acabam fazendo com que o acesso fique praticamente restrito a agentes de cultura profissionais, especializados nesse tipo de captação.

Além disso, prazos curtos, como os de trinta dias para a aplicação dos projetos, inviabilizam o acesso da maioria dos reais trabalhadores da cultura. 

Na prática, as leis de incentivo nestes moldes continuam favorecendo grandes produtores e empreendedores, e o investimento não chega aos verdadeiros agitadores culturais de base, que movimentam a cultura nas periferias, nos territórios indígenas, quilombolas e nos coletivos independentes.

Entre alívio emergencial e ausência de política: o impasse cultural em Curitiba

Edital em Curitiba está longe de ser um assunto novo. Embora sejam leis com validade em todo o país e aprovadas pelo Congresso Nacional, as leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo tiveram suas origens políticas na cidade.

Em julho de 2023, a capital paranaense foi a primeira a lançar todos os editais da Lei Paulo Gustavo, e em junho de 2024, foi a vez da Fundação Cultural de Curitiba e o primeiro edital da Política Nacional Aldir Blanc.

Curitiba possui ainda o maior teto orçamentário para cultura do Paraná, com investimento próprio de cerca de 3% do orçamento municipal via política de renúncia fiscal, o que, na teoria, faz com que essa estrutura de financiamento local reduza a dependência relativa de Brasília.

Mais do que distribuir recursos, o desafio das políticas culturais sempre será garantir estabilidade ao setor. Isso significa ter orçamento próprio, plano de metas, avaliação de impacto e, principalmente, continuidade. 

Não dá para depender apenas de alívios emergenciais. É preciso que a cultura entre de vez no planejamento econômico das cidades, como um vetor legítimo de desenvolvimento.

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Jornalista especialista em Mídia e Cultura pela USP

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