Por Inon Neves, vice-presidente da Access
A inteligência artificial deixou de ser apenas uma ferramenta de automação para se tornar peça estratégica na gestão documental. O que antes se limitava ao OCR (reconhecimento óptico de caracteres) e à digitalização de arquivos agora evoluiu para sistemas capazes de interpretar o conteúdo, identificar inconformidades e até prever riscos operacionais e jurídicos.
Em setores regulados como financeiro, saúde e energia, essa transformação significa não apenas eficiência, mas também segurança regulatória e resiliência diante de ambientes cada vez mais complexos.
Isso permite, por exemplo, classificar e indexar arquivos automaticamente conforme seu conteúdo e tipo, eliminando a indexação manual. Consultas que antes dependiam de palavras-chave exatas hoje podem ser semânticas – a IA entende o sentido do pedido e localiza informação mesmo que descrita de outra forma.
Em resumo, saímos de uma era em que documentos eram apenas “digitalizados” para outra em que são interpretados pela máquina.
Mais revolucionário ainda tem sido o salto para a análise preditiva. Em vez de reagir a erros ou fraudes depois do fato, organizações adotam IA para prever riscos futuros a partir de padrões históricos.
Modelos preditivos de machine learning vasculham dados passados – transações, registros, ocorrências – para identificar sinais sutis de problemas em potencial. Muitas vezes, esses sinais passariam despercebidos por análises convencionais, mas a IA consegue correlacionar variáveis complexas e antecipar riscos operacionais, financeiros, regulatórios ou reputacionais.
Também na gestão contratual e jurídica, a IA mostra sua força preditiva. Ferramentas de análise de contratos identificam cláusulas atípicas ou padrões anômalos nos documentos que historicamente levam a disputas legais, sinalizando essas questões antes mesmo de um problema ocorrer.
Assim, a empresa pode renegociar ou corrigir termos contratuais duvidosos antecipadamente, minimizando riscos jurídicos e evitando litígios caros.
Aplicações no setor Financeiro
No setor Financeiro, onde compliance e gestão de risco andam de mãos dadas, a IA tornou-se aliada indispensável. Bancos utilizam IA para monitorar documentos e transações em tempo real, cruzando dados de clientes, contratos e operações em busca de sinais de irregularidade.
Isso inclui desde verificar formulários, até auditar comunicados internos, garantindo que procedimentos estejam sendo seguidos à risca.
Um exemplo concreto é o uso de IA por instituições financeiras no monitoramento automatizado de operações suspeitas, antecipando riscos de fraudes e lavagem de dinheiro com base em análise comportamental dos dados.
Em compliance regulatório, sistemas de linguagem natural leem atualizações normativas e resumem mudanças legislativas em linguagem clara, permitindo que equipes se ajustem rapidamente e evitem sanções.
Essas abordagens aumentam a taxa de detecção de problemas e reduzem custos de auditoria. De fato, a McKinsey estima que a aplicação estruturada de IA em funções de risco já está reduzindo perdas operacionais e melhorando significativamente a eficiência de compliance nas finanças.
Otimizações na Saúde
Na área da saúde, a IA está otimizando tanto a gestão de registros clínicos quanto os processos administrativos. Hospitais lidam com prontuários, laudos, guias de convênios e uma infinidade de documentos – onde um erro pode significar desde infrações a normas de privacidade até perda de receita.
Ferramentas de IA conseguem extrair dados de prontuários e exames para verificar automaticamente se procedimentos e cobranças estão devidamente justificados nos registros médicos, reduzindo o risco de questionamentos ou auditorias.
Além disso, a IA tem revolucionado o combate às glosas médicas: por meio de análise preditiva do histórico de faturamento, identifica fatores correlacionados a recusas de convênio – por exemplo, um código de CID ausente que elevaria em 70% a chance de glosa – e sinaliza a conta com risco antes do envio.
Segundo o Sindicato dos Hospitais, o uso de IA pode reduzir as glosas hospitalares em até 30%, além de trazer mais velocidade e transparência ao ciclo de faturamento.
Outro ganho está na segurança de dados sensíveis: algoritmos monitoram acessos a prontuários e asseguram conformidade com leis como a LGPD, detectando usos indevidos de informações de pacientes.
Jurídico: prevenção de litígios com análise preditiva de contratos
No ambiente jurídico, a inteligência artificial vem transformando a forma como contratos e documentos legais são geridos. Mais do que apoiar a revisão manual, algoritmos de análise contratual utilizam técnicas de machine learning e processamento de linguagem natural para identificar cláusulas de risco, padrões incomuns e inconsistências redacionais que, no histórico da empresa ou do setor, costumam resultar em disputas judiciais.
Ao sinalizar esses pontos críticos com antecedência, a IA permite ajustes preventivos — seja na renegociação de termos, na padronização de linguagem ou na adequação às normas vigentes.
Esse uso preditivo reduz significativamente a probabilidade de litígios caros e demorados, além de oferecer segurança jurídica contínua. Em setores altamente regulados, como financeiro e saúde, a análise automatizada de contratos ajuda a verificar se cláusulas estão em conformidade com legislações como a LGPD ou com exigências específicas de agências reguladoras, evitando sanções.
Já em áreas como infraestrutura e energia, onde contratos são longos e complexos, a IA facilita a detecção de obrigações mal definidas ou conflitos de responsabilidade que poderiam gerar processos futuros.
Ao integrar ferramentas preditivas à gestão contratual, as organizações não apenas ganham eficiência, mas também elevam a governança jurídica a um patamar estratégico, no qual decisões deixam de ser reativas e passam a ser baseadas em monitoramento inteligente e contínuo.
Mais do que uma tendência, a integração da IA aos processos documentais virou necessidade competitiva. Em setores repletos de normas e obrigações, já não basta organizar arquivos – é preciso extrair inteligência deles.
E é exatamente isso que a IA proporciona: a capacidade de transformar documentos em insights acionáveis, identificando padrões de não conformidade e antecipando problemas antes que se tornem crises.
Em última análise, do OCR básico à análise preditiva avançada, a IA está redefinindo a gestão documental de um papel meramente operacional para um papel estratégico na gestão de riscos das organizações.
O futuro da gestão documental já chegou, e ele é inteligente e proativo.