A frase atribuída a Luís XIV, o Rei Sol, condensava um tempo em que o poder cabia em um corpo. O rei não representava o Estado: ele era o Estado. Sua presença era a própria legitimidade.
Séculos depois, uma nova versão da mesma ideia estourou nas telas da televisão brasileira. Em uma propaganda de uma marca de televisores nos anos 1990, um vendedor sorridente garantia ao consumidor, em espanhol macarrônico: “La garantía soy yo.”
A frase virou bordão. Era o rosto, não o produto, que transmitia confiança.
De certa forma, Luís XIV e o vendedor da propaganda diziam o mesmo. Ambos faziam do “eu” o selo de credibilidade.
Ambos traduziam uma época em que a autoridade se encarna: antes no rei, depois na figura publicitária.
Mas o que acontece quando esse mesmo gesto migra para o universo dos negócios e dos investimentos?
Hoje, o CEO é o novo rosto da garantia.
Sua imagem, suas postagens, suas entrevistas e até seu silêncio operam como sinais que o que a literatura de gestão chama de signaling. Ou seja: em tempos de sobrecarga informacional, o mercado aprendeu a ler esses sinais como indicadores de performance.
Um feed bem construído, um discurso carismático e um histórico de decisões ousadas compõem um tipo de balanço simbólico: o balanço da persona.
Pesquisas tem demonstrado que, no ambiente dos investimentos coletivos, investidores tendem a associar traços de personalidade de executivos à capacidade futura de entrega da empresa. Em outras palavras, o perfil do CEO funciona como proxy da governança e do resultado.
É a face humana substituindo o balanço contábil.
E há algo de fascinante (e perigoso) nisso. Porque, quando a persona se torna o ativo, o sucesso e o fracasso passam a ser lidos como dramas pessoais. A empresa vira uma biografia. O valuation vira uma narrativa.
“L’État, c’est moi” e “La garantía soy yo” são, no fundo, duas versões da mesma frase:
“Confie em mim: eu sou o sistema.”
No mundo das startups e do equity crowdfunding, essa fusão entre sujeito e instituição é ainda mais nítida. A fronteira entre a performance do negócio e a performance do fundador se dissolve. Investir numa empresa passa a ser, antes de tudo, acreditar numa personalidade.
E é aqui que a discussão começa a ficar interessante: até que ponto esse narcisismo corporativo é um ativo, e quando ele começa a virar risco? O carisma, afinal, é parte do produto, ou apenas o verniz que o mercado aprendeu a precificar?
São perguntas que seguem ecoando, e que voltam, sob novas formas, a cada vez que um CEO publica, promete ou performa. Tenho estudado o signaling como uma alternativa à falta/excesso de informações no ambiente de investimentos.
E gostaria muito de ouvi-los: como a pessoalidade influencia na decisão de investir? E na decisão de captar?