Pesquisar

Empresas devem tratar a IA com o rigor da LGPD e do compliance

IA LGPD Compliance Economia PR
Foto: Divulgação

Por Enzo Baggio Losso, advogado do Ciscato Advogados Associados

Profissionais de marketing usam plataformas generativas para criar campanhas, equipes de RH automatizam a triagem de currículos, departamentos jurídicos testam ferramentas que auxiliam na revisão de contratos, analistas exploram dados com apoio de algoritmos, e o uso da inteligência artificial se espalhou de forma veloz no dia a dia corporativo, no entanto, na maioria das empresas, o avanço tecnológico não foi acompanhado por estruturas de controle e governança.

A pesquisa Panorama Nacional 2025, realizada pela Cornerstone Career Services com apoio da ABRH-SP e do Infojobs, mostra que 79,1% dos profissionais brasileiros utilizam IA em suas rotinas, enquanto apenas 23,7% das companhias afirmam ter políticas institucionais sobre o tema.

Esses dados expõem um desequilíbrio entre a operação e a responsabilidade, pois a IA está presente nos processos, mas, na maioria dos casos, sem acompanhamento ou sequer regras.

Esse descompasso já preocupa reguladores. A União Europeia aprovou em 2024 o AI Act, a lei que criou um marco legal para o uso ético de sistemas de IA.

No Brasil, o Projeto de Lei 2.338/2023 propõe regras que incluem transparência, supervisão humana e prestação de contas, enquanto órgãos como o CNJ e a ANPD também vêm debatendo o tema, mas, ainda assim, dentro das empresas, a governança sobre o uso dessa tecnologia continua a ser exceção.

Grande parte das organizações adotou ferramentas de IA de forma espontânea, sem planejamento estratégico, e a tecnologia chegou antes das normas, agravando o problema quando a alta gestão não enxerga os riscos envolvidos.

Ainda há uma percepção equivocada de que criar políticas de governança atrasa a inovação, quando o resultado é o oposto, pois sem diretrizes aumentam as chances de falhas que geram passivos jurídicos e danos à reputação.

Os exemplos são numerosos. Um funcionário que utiliza IA para montar um relatório pode acabar expondo dados sigilosos da empresa ou do cliente, violando a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados – Lei nº 13.709, de 2018).

Campanhas geradas por algoritmos já vêm sendo publicadas sem checagem de autoria, o que gera possibilidade concreta de infração a direitos autorais. Em processos seletivos, o uso de critérios enviesados por ferramentas automatizadas tende a excluir candidatos de forma discriminatória ou imprecisa.

Mesmo em pareceres jurídicos, o uso de IA sem supervisão tem levado à circulação de informações incorretas ou desatualizadas, e quando não há diretrizes, treinamento ou rastreabilidade, a organização perde a capacidade de demonstrar diligência, o que, do ponto de vista jurídico, pesa.

Não importa se a ferramenta foi usada sem autorização da liderança, pois a responsabilidade continua a ser da empresa. O entendimento que vem se consolidando no Brasil e em outras jurisdições é que o dever de controle e supervisão é da organização, portanto, se não há regras, quem responde é a estrutura que permitiu o uso desordenado da tecnologia.

A falta de política formal, de documentação, de protocolos de revisão e de canais de reporte pode ser interpretada como negligência, o que também leva à responsabilização da empresa, como já ocorre em casos de integridade corporativa, assédio e proteção de dados, uma vez que tribunais e órgãos reguladores costumam tratar a falta de estrutura como falha de gestão.

O que precisa constar na política interna para uso da IA?

Uma política de uso responsável da inteligência artificial precisa estabelecer limites e finalidades, prevendo cláusulas de confidencialidade nos contratos com colaboradores e fornecedores.

Projetos que envolvam dados pessoais devem passar por avaliação de impacto e as decisões automatizadas precisam ser rastreáveis. O uso de plataformas abertas com dados sensíveis deve ser proibido, e os fornecedores devem garantir que as ferramentas estejam em conformidade com as normas em vigor.

A empresa também precisa saber o que está contratando, sendo fundamental conhecer a origem dos dados utilizados, verificar licenças, identificar violações autorais em potencial e manter processos de revisão humana, especialmente nas áreas criativas e jurídicas, pois a ausência de revisão pode levar ao uso indevido de informações, distorções e até plágio.

Hoje, muitas dessas ferramentas estão sendo utilizadas sem o conhecimento da alta liderança, o que reforça a necessidade de criar mecanismos de reporte, mapeamento de uso e supervisão. Isso porque ter clareza sobre quem está usando IA, com qual finalidade e sob quais condições, é o primeiro passo para reduzir a exposição a riscos.

Direcionar a inovação, em vez de engessá-la

A construção de uma governança adaptativa não precisa limitar o uso da tecnologia, pois o objetivo não é engessar a inovação, mas direcioná-la com responsabilidade, criando comitês interdisciplinares, registrando fluxos de decisão e envolvendo jurídico, compliance, TI e RH em medidas que fortalecem a organização e evitam passivos desnecessários.

Assim como ocorreu com a LGPD e a Lei Anticorrupção, forma-se um padrão que se repete, no qual a adesão voluntária abre caminho para a regulamentação, que evolui para a fiscalização e culmina na responsabilização.

O uso da inteligência artificial já entrou nessa trajetória, e o que ainda parece flexível hoje logo será objeto de auditorias, exigências contratuais e decisões judiciais.

As empresas que entenderem isso desde já estarão mais preparadas para crescer com segurança, pois a IA tem potencial de acelerar resultados, melhorar processos e gerar valor, mas isso só acontece quando ela é usada com critério.

O futuro corporativo será digital, mas também precisará se manter regulado, e quem não acompanhar esse movimento corre o risco de ficar vulnerável demais para competir.

Compartilhe

Leia também

PIB Londrina Economia PR

Crescimento do PIB do PR impulsiona economia da região de Londrina

truck kassio economiapr

Pagamentos centralizados elevam produtividade das frotas

inventários de carbono economia pr

No PR, programa pioneiro valida de inventários de carbono