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A não-entrevista com uma imortal e reflexões sobre o empreendedorismo solitário

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Foto: senivpetro / freepik

Sentei, atordoada e atrasada, na poltrona 24D. Ainda ofegante, tentei lembrar onde estava: mais um voo rumo a São Paulo, nessa ponte aérea emocional que faço há mais de 16 anos entre Curitiba, onde nasci, e a capital paulista, onde me movo. 

Coloquei os óculos, até então perdidos no meio da bagunça que carregava,  e, como se fosse miragem, vi Giovana Madalosso sentada na fileira à minha frente, a poucos centímetros de mim.

Naquele momento, ela ainda não era uma das imortais da Academia Paranaense de Escritores, título que reconhece sua trajetória e a importância de sua obra para a literatura brasileira. Também não havia sido citada como uma das escritoras mais notáveis de 2025 pelo New York Times. 

Mas, mesmo antes desta consagração oficial, ela já estava na minha prateleira de melhores.

A escritora rompeu tabus ao estrear com “A Teta Racional”, finalista do Prêmio Clarice Lispector em 2017, obra que aborda a maternidade com franqueza inédita. À época lembro de entrevistas de Giovana falando que ouvia de editores que o tema maternidade “não era vendável”. Outros rejeitaram o manuscrito por considerarem a palavra “teta” imprópria. Seu romance “Suíte Tóquio” alcançou a final do Prêmio Jabuti e foi traduzido para inglês e espanhol, projetando-a internacionalmente. 

Ou seja: vontade de falar não me faltava!

Em segundos comecei a planejar tudo: como me apresentaria, quais temas traria à conversa, o tom adequado. “Não posso ser aquelas fãs chatas inconvenientes”, anotava mentalmente. Nos 45 minutos de voo, calculei com teimosia todas as perguntas – e, quem sabe, até as respostas.

Comentaria sobre uma de suas entrevistas brilhantes. Como ela pensou naquela frase? 

Mencionaria que já trocamos e-mails, que ela já me enviou até um livro pelo correio, graças ao nosso amigo em comum, o escritor e jornalista Nelson Lourenço. Pela internet, quase fomos amigas (era o que eu pensava). De infância.

Na minha cabeça, aquela seria uma conversa fluida, interessante, daquelas que a gente leva para a terapia. Quem sabe até renderia uma coluna aqui mesmo, no Economia PR.

Mas sobrou apenas um silêncio ridículo.

Quando a viagem chegou ao seu destino, rompi meu ritual de sempre — normalmente espero todos os apressados saírem antes de me levantar. Dessa vez, fui eu a apressada. Queria alcançar aqueles segundos em que as portas abrem e as pessoas se acumulam sem emoção no corredor estreito. Ali, pensei, eu falaria. Seria leve, descontraída… Ensaiei tudo.

No entanto, para esta jornalista, intrometida por vocação, faltou coragem. O que ouvi foi a conversa dos outros. E lá estava ela — a “feminista climática”, como se define — falando sobre aquecimento global com outro passageiro, tentando entender o que ele sabia sobre um problema que afeta desproporcionalmente mulheres, indígenas e outras populações vulneráveis. Fazendo o movimento dela, sempre.

Nesses minutos de hesitação, lembrei-me de como conheci Giovana. Uma amiga em comum, Assionara Souza — poeta, dramaturga, escritora e uma das minhas favoritas —, que nos deixou em 2018. Foi ela quem me disse, pela primeira vez, e em tom de ordem, que eu precisava ler Giovana Madalosso. 

Estávamos bebendo uma cervejinha n’O Torto Bar e, entre uma conversa e outra sobre a vida, ela me lançou aquele olhar que precedia todas as verdades dela – quem a conheceu, sabe – e disse: 

“Leia a Giovana. Agora”.

Obedeço até hoje.

Quando vejo a foto tirada em junho de 2022, no movimento “Um Grande Dia Para Escritoras”, idealizado pela própria Giovana, com mais de 400 autoras ocupando as arquibancadas do Pacaembu, penso nelas: Giovana, Assionara, tantas outras. Mulheres que puxam mulheres.

E é aqui que meu silêncio vira pergunta: e se? Se nem a intimidade literária que cultivei com os personagens de Giovana foi suficiente para eu falar com uma mulher que admiro, o que isso revela sobre nós?

Nessa hesitação, ali, no desembarque, pensei em como, de algum modo, eu repetia um percurso que também foi dela: sair de Curitiba — inclusive estudamos no mesmo colégio —, encarar São Paulo sozinha, tentar me encaixar em agências de publicidade, disputar espaço, voz, projetos e vida até perceber que eu precisava ser a gestora da minha própria trajetória. 

Enquanto divagava nesse labirinto de memórias e convicções feministas, entendi que aquele silêncio não era só timidez: era também a constatação de que mulheres que constroem o próprio caminho, mesmo quando já romperam tantas barreiras, seguem carregando uma solidão tão própria, e que não aparece nas biografias e prêmios.

Acúmulo de funções e dificuldade de acesso ao crédito

A verdade é que empreender – seja em uma empresa própria ou gerindo sua própria carreira – é uma atividade solitária e repleta de desafios, especialmente para mulheres que enfrentam barreiras específicas de gênero.

Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae, a jornada do empreendedorismo feminino pode ser muito solitária e a falta de redes de apoio para mulheres empreendedoras dificulta o acesso a recursos e orientações para crescimento. Das 10,4 milhões de mulheres empreendedoras no Brasil, 49% são chefes de família, acumulando a responsabilidade pelo sustento do lar com a gestão do negócio. 

O estudo “Panorama do Empreendedorismo Feminino no Brasil“, realizado pelo Ministério do Desenvolvimento em parceria com o PNUD, identificou que, entre os principais desafios, estão a tripla jornada de trabalho e o difícil acesso ao crédito. Não é novidade. 

E nós seguimos. Em silêncio, mas em lutas gritantes. E sabendo que tem outra ali, na mesma luta. 

Para esta coluna, minha timidez virou texto. 

A solidão no empreendedorismo feminino, entretanto, continua sendo um péssimo negócio. 

Vamos conversar?

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Jornalista especialista em Mídia e Cultura pela USP

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