A inteligência artificial deixou de ser tendência e já faz parte da realidade da educação brasileira. No Paraná, mais de 500 mil alunos da rede estadual já utilizam ferramentas de IA para aprender matemática, inglês, redação e até acelerar o processo de alfabetização.
Com 100% das escolas conectadas à internet, incluindo áreas remotas via satélite, cerca de 1 milhão de estudantes são beneficiados por essa transformação digital — que conta ainda com uma parceria inédita com a Google.
Mas não basta levar tecnologia para dentro da sala de aula: é preciso preparar quem está à frente dela.
A Unesco já alertou para a urgência de capacitar professores no uso da IA, com foco em ética e no papel insubstituível da interação humana no ensino. O estado já conta com iniciativas para embarcar profissionais nessa nova era digital.
A Unespar, por exemplo, lançou cursos específicos de IA aplicada à prática pedagógica; o programa Formadores em Ação, da Secretaria de Estado da Educação, oferece milhares de vagas anuais em formação continuada; e debates públicos vêm discutindo como garantir uso responsável e autônomo da tecnologia.
Essa combinação de infraestrutura, políticas públicas e qualificação docente coloca o Paraná como referência nacional no uso de IA para a educação, ao mesmo tempo em que reforça os desafios de preparar professores para essa nova realidade.
Para aprofundar esse debate, o Economia PR Drops conversou com João Pedro Danhoni, cofundador da Twain Education, que traz uma visão prática e crítica sobre como a inteligência artificial está moldando o futuro da educação no Brasil e no Paraná — e por que capacitar os educadores é a chave desse processo. Confira:
Quais são as principais mudanças que a I.A. está trazendo para o ensino e aprendizagem no Brasil?
João: Bem, agora temos a oportunidade de escalar e automatizar o trabalho da gestão escolar, além de permitir que novos conteúdos sejam criados por usuários. Com o Design Instrucional correto aplicado, além de estratégias pedagógicas vinculadas com as melhores tecnologias e práticas de segurança, a Educação pode ser altamente beneficiada pelo uso de I.A no campo escolar. As mudanças são diversas em diferentes áreas de conhecimento. Os alunos agora conseguem criar e acessar conteúdo de uma forma totalmente diferente, o que pode levar a pontos positivos e negativos, pois uma I.A nem sempre traz informações corretas ou com o viés apropriado. Os professores agora têm a oportunidade de criar conteúdo em escala com pouco trabalho, desde que saibam as ferramentas certas e o correto uso. São muitas as mudanças, pois a I.A está em um ponto de assimilação muito novo ainda, ao passo em que avança rapidamente com diferentes aplicações sendo desenvolvidas. Toda semana parece que uma nova solução sai no mercado e assim a discussão vai ficando mais complexa entre educadores e gestores educacionais. A I.A permite uma escala muito grande na geração de conteúdo e são ferramentas diversas com fácil acesso na internet, mas ainda estamos discutindo questões relativamente “atrasadas” sobre a tecnologia na sala de aula no Brasil. Por exemplo, a nível estrutural, a Educação no Brasil ainda está assimilando o uso de Smartphone na sala de aula como recurso pedagógico e várias tecnologias ainda estão sendo analisadas, como Realidade Aumentada.
Como a capacitação em I.A. pode transformar a atuação dos educadores em sala de aula?
João: A I.A permite ampliar e escalar o trabalho do professor, através de automações, na criação de diferentes formatos de conteúdos (vídeo, criação de imagens e etc…) e análise de dados dos alunos. Temos ferramentas que permitem analisar o engajamento de alunos (e professores) ao vivo, além de gerar Dashboards que trazem indicadores que podem elucidar problemas e oportunidades na sala de aula e escola como um todo. Inclusive temos até mesmo ferramentas que ajudam a gamificar o ambiente escolar. Usar ferramentas baseadas em I.A é algo complicado em termos de segurança, validação do conhecimento e por ser uma ferramenta, esta carece de sabedoria na sua aplicação profissional. Os professores devem saber usar as ferramentas mais seguras (e de modo seguro) a fim de proteger os dados da escola e dos seus alunos. Ademais, educadores de modo geral, precisam saber aplicar Design Instrucional com as ferramentas certas. O melhor uso da I.A, além de saber usar com segurança, é na integração destas ferramentas e isso carece de treinamento em cima das melhores aplicações.
Que habilidades novas os professores precisam desenvolver para aproveitar o potencial da I.A. no dia a dia escolar?
João: Eu diria que aplicação de Design Instrucional, e já puxando para a minha formação, saber conceitos básicos de Design de Experiência de Usuário pode ser muito vantajoso, pois assim você terá uma sensibilidade maior na criação de produtos e serviços educacionais a partir do uso dessas ferramentas. Quanto mais ferramentas forem testadas, usando as melhores práticas de aplicação, mais insights poderemos coletar dos resultados dos educadores e educandos, logo o educador se torna um agente de criação poderoso.
Como garantir que a aplicação de I.A. respeite princípios éticos e preserve o papel humano no ensino?
João: Formar pessoas, que se tornarão usuários destas ferramentas, que tenham “Respeito” como o Norte para esta questão, eu diria. O conceito de Cidadania Digital (afinal o ser humano ainda está aprendendo a ser civilizado na internet – basta ver os casos de desrespeito, racismo e etc presentes na internet…), acoplado dos princípios do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), além da correta aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados são imperativos para a gente ter o uso ético destas tecnologias.
Como surgiu a ideia de criar um programa específico para capacitar educadores em I.A.?
João: Como eu trabalhei para empresas de tecnologia educacional (EdTech) ao longo dos anos, em particular fora do Brasil, eu percebi que existe uma distância muito grande na capacitação de educadores com tecnologia básica. A Pandemia da COVID apontou isso com notoriedade. Os educadores, de modo geral, carecem de treinamento constante e a tecnologia avança rápido demais enquanto os alunos têm a oportunidade de explorar e fazer uso dessas tecnologias de forma rápida e acessível. Do ponto de vista pedagógico fica mais difícil para os professores se capacitarem, até mesmo por uma questão geracional, mas também porque o volume de trabalho deles é muito alto. Muitos cursos não são feitos para os educadores e o mercado privado não foca muito nessa categoria profissional.
Quais são os maiores desafios para implementar tecnologias de I.A. em escolas brasileiras?
João: O treinamento é um grande fator, mas talvez seja a cultura educacional como um todo. Precisamos ter lideranças que abracem o uso dessas tecnologias pelo benefício dos educadores e educandos, mas para isso é altamente necessário ter uma formação contínua, além de estratégias e diretrizes para que a aplicação dessas tecnologias seja feita de forma segura e ética.
O que podemos esperar para os próximos anos em termos de integração entre ensino tradicional, metodologias híbridas e soluções de I.A.?
João: Já estamos lidando com muitas mudanças. Alunos fazendo uso amplo dessas tecnologias em seus trabalhos, além de professores desenvolvendo diferentes conteúdos com diferentes ferramentas. Algumas escolas ao redor do mundo estão fazendo projetos com I.A muito interessantes e criativos dentro de um Design Instrucional extremamente válido. Espero que a gente veja mais projetos amparados com I.A saindo de escolas lideradas por educadores criativos. Temos a oportunidade de transformar escolas em grandes centros de aprendizado customizado com diferentes experiências em diferentes formatos: Texto, Imagem, Vídeo, Elementos Tridimensionais, uso de Realidade Aumentada e Virtual com custo reduzido… Eu realmente espero que o uso correto da I.A traga o melhor da educação e da criatividade humana no mundo escolar.