Na última semana, o assassinato do ativista norte-americano Charlie Kirk provocou uma repercussão que atravessou fronteiras. O que começou como um crime brutal em um campus universitário nos Estados Unidos rapidamente ganhou contornos políticos e, curiosamente, chegou ao Brasil em forma de uma onda de demissões e cancelamentos de contratos de profissionais que comemoraram ou ironizaram a morte nas redes sociais.
Não cabe aqui discutir o mérito político do caso. Não vamos falar de ideologias, esquerda ou direta. Vamos considerar o fator humano – e apenas isso. Aliás, um adendo pessoal: eu sempre (SEMPRE) achei estranho, pra dizer no mínimo, celebrar uma morte.
Também não quero parecer insensível mas a situação e suas consequências no mundo corporativo abre a brecha para análises: como, em momentos de dor e tensão, os valores se tornam bússolas para decisões difíceis.
No Brasil, o tema ganhou contornos trabalhistas. Afinal, até que ponto uma manifestação pessoal pode gerar demissão por justa causa?
O que diz a lei
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê hipóteses de demissão por justa causa no artigo 482 — como atos de indisciplina, mau procedimento ou ofensa à honra de colegas e superiores. Em teoria, manifestações públicas que coloquem em risco a imagem da empresa ou comprometam o ambiente de trabalho podem ser enquadradas nesses dispositivos.
Na prática, contudo, cada caso exige análise individual.
Nem toda declaração polêmica justifica uma justa causa. Muitas vezes, a demissão ocorre sem esse enquadramento, por decisão estratégica da empresa de não associar sua marca a determinado tipo de comportamento, o que é legalmente possível em contratos de trabalho regidos pelo regime celetista.
Por isso, as políticas internas fazem diferença.
Empresas que deixam claro em seus códigos de conduta quais comportamentos são incompatíveis com seus valores conseguem agir com mais consistência, evitando a sensação de arbitrariedade ou perseguição.
É nessa hora que a frase atribuída a Peter Schutz, ex-CEO da Porsche, ganha força: “contrate caráter, treine habilidades”.
Habilidades podem ser aprendidas, treinadas e desenvolvidas. Caráter, não.
Caráter é sobre aquilo que a pessoa acredita, sobre como reage quando ninguém está olhando, sobre como escolhe se posicionar quando a situação exige coragem ou sensibilidade.
Mas há um ponto delicado aqui: valores não são sobre unanimidade. Não se trata de exigir que todos pensem igual. O risco seria cair em ambientes de censura ou medo.
O que está em jogo é algo mais sutil e, ao mesmo tempo, mais profundo: como manter a humanidade no centro das relações de trabalho.
Empresas fortes não são feitas apenas de processos e resultados. São feitas de pessoas. E pessoas carregam histórias, fragilidades, convicções.
Por isso, a responsabilidade da liderança vai além de escolher talentos: é preciso cultivar um ambiente em que os valores sejam claros, partilhados e respeitados, não apenas escritos em manuais ou gravados em quadros na parede.
Quando uma organização decide se posicionar diante de um episódio difícil, ela envia uma mensagem poderosa para dentro e para fora: “É isso que escolhemos sustentar. É essa humanidade que queremos preservar.”
Para startups e empresas em crescimento, esse aprendizado chega cedo. Quanto antes a cultura for definida, mais fácil será lidar com dilemas complexos sem se perder no caminho. Não porque haverá respostas prontas, mas porque haverá um norte e uma essência a qual ser fiel.
No fim das contas, valores não existem para os dias fáceis. Eles existem para os dias em que o mundo pesa e em que cada decisão revela quem, de fato, nós somos.
