Preocupada em estudar aplicações de Inteligência Artificial (IA) que abram essa tecnologia para o cidadão comum, a Crewtech, startup apoiada pela Incubadora Tecnológica do Tecpar (Intec), explorou diversas áreas e se deparou com alguns dados preocupantes: cerca de 90% dos brasileiros assinam contratos sem ler e sem entender seus direitos e deveres, além do alto índice de contratos com cláusulas abusivas, deliberadamente contrárias à lei.
Com base nesses dados, a startup, idealizada pelos sócios Flávio Berçalini, Daniela Rosa e Pedro Fabro, identificou o problema central por trás de todo esse “juridiquês”, ou seja, a linguagem técnica jurídica, que acaba afastando as pessoas do entendimento real do que estão assinando.
Uma vez mapeado o problema, encontrar o caminho da solução ficou mais claro. Assim surgiu o Dr. Silva Cidadão, uma ferramenta de IA, de cunho educacional, com o objetivo de traduzir esses termos complexos para uma linguagem acessível a todas as pessoas, democratizando o acesso à informação jurídica e incentivando os cidadãos a tomarem decisões mais conscientes.
Em 2025 o projeto da Crewtech passou a contar com o apoio da incubadora do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar).
De acordo com o gerente do Creative Lab do Tecpar, Rogério Moreira de Oliveira, o desenvolvimento deste projeto com o apoio do Tecpar não significa somente a construção de uma nova startup, mas sim viabilizar uma mudança cultural, que pode beneficiar toda a sociedade e tornar o sistema de justiça mais eficiente.
“A Intec viu na tecnologia da Crewtech não apenas uma ferramenta de IA, mas a construção de um ecossistema de educação jurídica, que pode influenciar culturalmente a forma como os brasileiros se relacionam com contratos e documentos legais. É um projeto com forte cunho social e gratuito. Não se trata apenas de criar uma startup, mas elaborar uma ferramenta educativa que pode se integrar profundamente com o setor público”, destaca o gerente.
“Quando uma pessoa assina um contrato sem entender completamente o que está ali, ela está se colocando em uma posição bastante vulnerável. Os riscos são bem concretos e podem impactar significativamente a vida financeira e jurídica. Quando você não entende o ‘juridiquês’, acaba aceitando condições que podem ser ilegais, como multas desproporcionais, juros abusivos, taxas escondidas e outras questões que violam seus direitos básicos como consumidor”, explica Berçalini.
Esses contratos assumidos sem conhecimento, geram um comprometimento financeiro não planejado, pois sem clareza sobre encargos e obrigações, a pessoa pode assumir dívidas que não cabem no orçamento, levando ao endividamento grave.
Para Berçalini, outro ponto crítico é a dificuldade para recorrer judicialmente.
“Quando surge um problema e o cidadão precisa contestar algo, sua assinatura representa que você concordou com tudo, tornando o processo de contestação complicado e custoso. Sem falar no risco que as pessoas não percebem: a perda de direitos fundamentais, porque muitos contratos têm cláusulas que limitam garantias legais, e quem assinou pode estar abrindo mão de proteções importantes sem nem saber”, pontua o empresário.
Inicialmente a Crewtech pensou em desenvolver um aplicativo gratuito para a população, mas logo percebeu que isso criaria barreiras de entrada, tanto no custo do projeto – que tem cunho social – quanto no acesso da população. Então veio a decisão estratégica: integrar a solução diretamente no WhatsApp.
“E os números nos deram razão, pois 99% dos smartphones no Brasil tem o WhatsApp instalado. Não fazia sentido criar obstáculos quando já existe uma plataforma universal, acessível e familiar para todos”, diz o empreendedor.
Agora a tecnologia está na fase de aprimoramento do “cérebro” da IA. O Dr. Silva já foi treinado com toda a base da legislação brasileira e toda a legislação complementar relevante. Também estão sendo incorporadas leis e regulamentações estaduais ao sistema. Na próxima fase, será implementado um módulo específico para receber e processar leis municipais.