Na coluna anterior, acompanhamos a história do menino peruano de 15 anos que viajou 18 horas até Lima para narrar a final da Libertadores — e, barrado no estádio, decidiu subir uma montanha para viver o que considerava seu propósito.
Aquela cena viralizou porque não falava apenas de futebol.
Falava de identidade, sacrifício e coerência. Falava de alguém fazendo o que nasceu para fazer — mesmo sem estrutura, sem permissão e sem plateia.
E essa história, embora profundamente humana, revela algo que vale tanto para indivíduos quanto para organizações:
Propósito só é real quando existe prática. O resto é discurso.
E dezembro é justamente o mês em que essa diferença fica impossível de esconder.
Dezembro não cria reputação. Dezembro revela reputação.
Ao contrário do que muitos imaginam, campanhas de fim de ano não mudam a percepção pública de uma marca. Elas apenas refletem o que já existe — ou o que falta.
Quando o calendário aperta, os times estão exaustos e as pressões aumentam, as empresas mostram quem realmente são:
- como tratam colaboradores
- como se comportam em crises
- como sustentam promessas
- como equilibram cultura e resultado
- como cuidam de quem as sustenta durante o ano inteiro
Nas semanas finais do ano, a maquiagem corporativa perde força.
A cultura real aparece.
A liderança real aparece.
A coerência real aparece.
E é por isso que dezembro é, há anos, um termômetro reputacional mais preciso que qualquer pesquisa.
O menino peruano tinha propósito. Muitas empresas têm apenas narrativa.
A diferença é clara:
O menino tinha pouco, mas fez tudo.
Muitas empresas têm tudo — e fazem pouco.
Ele tinha obstáculo e insistiu.
Elas têm recurso e hesitam.
Ele encontrou uma montanha.
Elas seguem buscando atalhos.
No fim, ele viveu o propósito.
E muitas marcas performam propósito.
Essa inversão — entre quem tem tudo e quem entrega pouco — é o grande dilema reputacional do nosso tempo.
Porque, hoje, propósito virou pauta, mas ainda não virou prática para a maioria das empresas.
O consumidor aprendeu a identificar incoerências com precisão cirúrgica
A geração atual lida com marcas da mesma forma que lida com pessoas: observando consistência.
E não há campanha emocional, narrativa sofisticada ou estética inspiradora que compense:
- práticas internas desalinhadas
- lideranças desconectadas
- discursos ESG vazios
- ações sociais que só acontecem no fim do ano
- valores que mudam conforme o vento
Reputação não é construída por aquilo que a marca declara, mas por aquilo que ela prova — repetidas vezes.
E dezembro é o mês em que essa prova é cobrada.
O erro estratégico de muitas empresas: confundir intenção com entrega
Propósito não é intenção.
Propósito é entregável.
Não é sobre frases bonitas na parede.
É sobre decisões difíceis na mesa da diretoria.
Não é sobre campanhas inspiradoras.
É sobre práticas consistentes durante os 12 meses.
É aqui que a história do menino volta a nos ensinar:
Ele tinha intenção, sim — mas tinha, acima de tudo, ação.
E toda marca que deseja construir reputação precisa responder à pergunta mais simples e mais difícil do mundo corporativo:
O que fazemos quando ninguém está olhando?
Essa resposta define mais o futuro da empresa do que qualquer plano de mídia.
Por que dezembro separa quem tem propósito de quem apenas performa propósito
Porque dezembro é o mês onde:
- a pressão aumenta
- o tempo diminui
- o emocional pesa
- as falhas de cultura transbordam
- os verdadeiros valores aparecem
É o momento em que lideranças mostram se são arquitetos de cultura — ou apenas gestores de tarefa.
É quando ações sociais revelam se são compromisso — ou temporada.
É quando a comunicação interna revela se é presença — ou improviso.
É quando a narrativa revela se é coerência — ou teatro.
Propósito corporativo não nasce em dezembro. Mas dezembro mostra se ele existe.
A melhor parte é que o mercado não espera empresas perfeitas. Espera empresas coerentes.
E coerência nasce de três fundamentos:
1. Cultura viva: Valores praticados, não apenas declarados.
2. Liderança comunicativa: Decisões transparentes, coerentes e explicadas.
3. Entrega real: Projetos, rituais e comportamentos que sustentam a narrativa.
Quando esses três elementos se encontram, dezembro não é desafio; é vitrine.
Quando não se encontram, dezembro expõe rachaduras que estavam escondidas desde janeiro.
O que líderes inteligentes fazem agora
Eles tratam dezembro como uma auditoria de propósito.
E fazem três movimentos estratégicos:
🔹1. Revisam o ano com brutal honestidade: O que foi dito vs. o que foi feito.
🔹2. Ajustam cultura, narrativa e entrega: Para entrar em 2026 com coerência.
🔹3. Comunicaram com clareza e humanidade: Time alinhado → reputação fortalecida → narrativa sólida.
A montanha continua sendo o melhor símbolo
O menino mostrou que propósito real move. E o mercado mostra todos os anos que propósito performático desaba.
Empresas que não fazem o que dizem perdem relevância. Empresas que sustentam o que fazem ganham reputação.
E reputação — mais do que nunca — é poder econômico.
O menino peruano subiu uma montanha para fazer o que nasceu para fazer.
Algumas empresas, com infinitamente mais recursos, ainda hesitam em dar o primeiro passo para viver aquilo que declaram como propósito.
A diferença entre elas é simples: ele age como quem tem futuro; elas, às vezes, comunicam como quem tem medo.
E 2026 será o ano em que o mercado premiará — sem hesitação — marcas, líderes e organizações que escolherem o caminho do menino: corajoso, coerente, incômodo e absolutamente verdadeiro.
Porque propósito não se publica.
Propósito se prova.